quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Qual futuro?

Carros cada vez mais inacreditavelmente potentes. Computadores cada vez mais inacreditavelmente evoluídos. Robôs cada vez mais inacreditavelmente úteis.
A modernidade está entre nós. Sentimos seu cheiro, provamos do seu gosto. E adoramos!

Bombas cada vez mais potentes. Sistemas de destruição cada vez mais evoluídos.
A modernindade está entre nós. Sentimos na pele seus efeitos e provamos das suas conseqüências. E achamos normal!

Toda vez que eu assistia algum filme sobre o futuro, saía do cinema um tanto quanto ressabiada. ETs chegando em gigantes naves espaciais para destruir a Terra, ondas colossais que engoliam cidades inteiras em questão de minutos, o nada tomando conta do mundo. Não pode ser assim.

Daí li Admirável Mundo Novo. Não tem ETs nem ondas gigantes e nem "o nada". Sim, Huxley foi um tremendo dum visionário, blábláblá. Mas eu tenho o direito de não gostar porque esse tipo de futuro simplesmente me aterroriza. E me aterroriza mais ainda notar que várias das coisas descritas no livro já são usadas por nós no dia a dia em menor grau ou de maneira diferente (e me aterroriza Huxley ter pensado em todas essas coisas em 1930).

No livro, as pessoas são criadas em laboratórios sem qualquer vínculo afetivo com ninguém e já "programadas" para a posição social que vão ocupar, fazendo com que mãe torne-se um palavrão pior que qualquer um que você possa imaginar.
O soma é usado como mecanismo de fuga e chega ao ponto de ser incentivado pelo "governo", fazendo com que as pessoas vivam cada vez mais em função de seus próprios umbigos.
Os livros são mantidos longe do alcance das pessoas, para que possam crescer alienadas nos seus mundinhos sem conhecer nada que possa prejudicar ou colocar o sistema em risco.

A alienação faz com que o mundo fique perfeito e assim os alienados são felizes.

Creio que preferia as ondas gigantes e as naves espaciais, que pareciam muito menos prováveis do que os elementos encontrados nesse livro, que já estão ao nosso redor de uma maneira ou outra.
Já vemos bebês de proveta, antidepressivos, filhos matando pais, informação mantida longe do alcance das crianças para que elas cresçam analfabetas e desinformadas e sem noção de cidadania.

E eu me pergunto porque toda visão de futuro tem que ser tão negativa.
Por que as pessoas não podem tomar consciência das coisas erradas que vêm fazendo e corrigi-las, salvar o mundo, minimizar os efeitos do aquecimento global e até salvar o urso polar da extinção?!

Sim, precisamos do aviso, precisamos do alerta vermelho. Só não vejo ninguém fazendo nada para evitar que essas previsões deprimentes se tornem verdade. Quando vamos acordar, e qual futuro estamos preparando para nós mesmos?

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Mal Branco Mal-Entendido

Inacreditável o artigo que li agora há pouco.

Não escondo de ninguém que acho Saramago uma das pessoas mais fabulosas do planeta e não pretendo defendê-lo com este texto. Não há por quê.

É inacreditável que alguém realmente pense que um filme (e, primeiramente, um livro) que representa tantas metáforas possa veicular uma idéia preconceituosa de algo. Eu não preciso defender Saramago pois eu tenho a mais absoluta certeza que meros cegos incompetentes, sujos, viciados e depravados foram a última coisa que passou pela sua brilhante cabeça. Talvez brilhante demais para alguns, incapazes de enxergar que o livro não trata verdadeiramente sobre pessoas que cegaram. O livro fala de um outro tipo de cegueira, aquela de que a maioria de nós sofremos.

Cegueira que nos faz achar que somos melhores que os outros, que temos mais direitos que os outros. "Mal branco" que só permite enxergar nosso próprio umbigo e imaginar que o mundo deve estar girando em volta dele.

Ora, pois, logo no início do filme/ livro, quando o primeiro cego está tentando voltar para casa, a pessoa que lhe rouba o carro não é cega e, no entanto, como se explica ação tão vil?
A atitude das pessoas que despejavam os cegos no sanatório, confinados e longe das "pessoas normais" também não foi nobre. Veja, não estavam cegos e passaram, de certa forma, por incompetentes, sujos, viciados e depravados.
Quando um dos cegos necessitou de medicamento para um ferimento na perna, foram as pessoas que enxergavam que lhe negaram. Que o deixaram morrer.
Que dizer das mulheres cegas, que decidiram aceitar a extrema humilhação de alugarem seus corpos pela comida que iria saciar a fome de vários outros desconhecidos que elas sentiram necessidade de ajudar, uma vez que compartilhavam da mesma situação?

Não, a cegueira de que trata o livro/ filme definitivamente não é a mesma cegueira que está reclamando a Federação Nacional do Cegos.
É a cegueira que cada um de nós traz para a sua vida cada vez que ignora uma pessoa pedindo ajuda ou passando por necessidades. É a cegueira que faz com que nos achemos superiores a alguém porque temos um centavo a mais que essa pessoa. É a cegueira que nos coloca em um trono porque nos faz incapazes de olhar para os lados e nos dar conta de que essa é a última coisa que o mundo em que vivemos precisa: de mais um cego espalhando discórdia e destruição.
É um espetáculo de degradação humana que vemos passar diante de nossos brancos olhos todos os dias.
Degradação que apenas uma pessoa no livro/ filme foi capaz de ver com os olhos do corpo e decidir o que fazer a partir disso. Uma pessoa sã. Uma pessoa que não era cega de alma, que tinha todos os motivos para agir como aqueles à sua volta e, no entanto, manteve-se sã da maneira como podia. Uma pessoa que encontrou outros como ela, cuja única diferença é que ela tinha os olhos do corpo para guiar-lhes o caminho pelo qual todos concordaram em traçar.

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara"

"Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem"